Doutoranda e mestra em Linguística e Língua Portuguesa pela Faculdade de
Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” (UNESP), campus de Araraquara (SP), Cíntia Alves da Silva é
autora de uma importante dissertação que une ciência e religião: As
cartas de Chico Xavier: uma análise semiótica. Seu objeto de estudo – as
cartas psicografadas pelo médium mineiro – envolve uma análise
criteriosa do processo de construção dos autores espirituais, com base
na coerência dos fatos relatados. Atualmente, dedica-se à tese de
doutorado intitulada A prática da psicografia: enunciação e memória em
relatos de experiência mediúnica, um estudo mais amplo da psicografia
como prática semiótica.
RIE – Como você se aproximou do Espiritismo e de que forma surgiu o
interesse de defender uma dissertação de mestrado relacionada à
religião?
Cíntia Alves da Silva – O meu primeiro contato com o Espiritismo se deu
quando eu ainda era adolescente, aos 14 anos. Após receber de presente
um volume de O Evangelho Segundo o Espiritismo, passei a me interessar
pela doutrina e nunca mais parei de ler a respeito. Vinculei-me à Casa
do Caminho, Instituição Espírita Cristã, de São Carlos (SP), no ano de
2008, quando cursei o COEM (Curso de Orientação e Educação Mediúnica).
Desde então, a psicografia tornou-se o meu tema predileto. Nesse mesmo
ano tive contato com um recorte de jornal que falava sobre a existência
da AJE-SP (Associação Jurídico-Espírita do Estado de São Paulo), que à
época discutia a possibilidade de se utilizar cartas psicografadas como
meio de prova nos tribunais. Foi a partir desse recorte que comecei a
buscar e organizar informações sobre os casos que envolviam a escrita
mediúnica de Chico Xavier. O que era um hobby, inicialmente, tornou-se
tema da minha pesquisa entre 2009 e 2010, quando ingressei no mestrado
em Linguística e Língua Portuguesa na UNESP de Araraquara, sob a
orientação do Prof. Dr. Jean Cristtus Portela. A importância
sociocultural e editorial da psicografia no Brasil foi, sem dúvida, o
principal motivo que me levou a considerar o estudo acadêmico desse
tema.
RIE – Explique brevemente o objetivo da dissertação e a relação entre psicografia e semiótica.
Cíntia – A dissertação intitula-se As cartas de Chico Xavier: uma
análise semiótica e seu objetivo principal foi o de compreender o
processo de construção das autorias espirituais (ou “imagens” de
enunciador) nas cartas “familiares” ou “consoladoras” escritas pelo
médium. Os objetivos específicos incluíram observar se havia coerência
na construção das autorias espirituais na obra psicográfica epistolar de
Chico Xavier, ao longo de períodos maiores ou menores, e em que medida
elas apresentariam marcas de autonomia ou individualidade que nos
permitissem distingui-las umas das outras. Essas questões foram
elaboradas de forma que pudéssemos refletir sobre uma ideia bastante
comum entre os adeptos do Espiritismo – a de que a escrita do médium era
tão fiel ao estilo dos espíritos que se comunicavam através dele, que
seria possível identificar e distinguir claramente os seus autores
espirituais por meio das expressões e formas de dizer que estes
supostamente teriam utilizado quando vivos. A pesquisa também buscou
caracterizar as cartas psicográficas como um tipo particular de texto,
que se diferencia dos textos epistolares “típicos”. Além de se
configurar como um gênero específico, as cartas psicografadas delineiam
um percurso editorial bastante peculiar, que possibilita que elas sejam
lidas e compreendidas em outros contextos, para além do centro espírita,
onde é produzida. A Semiótica, concebida enquanto teoria da
significação, propõe-se a explicitar conceitualmente os processos de
apreensão e produção de sentido. Por essa razão, a sua escolha como
perspectiva teórica nos pareceu bastante apropriada, uma vez que as
nossas questões acerca da psicografia epistolar inseriam-se justamente
na busca pela compreensão dos processos de construção das “identidades”
espirituais a que Chico Xavier atribuía a sua escrita.