O historiador Artur Cesar Isaia fala sobre a popularidade de Chico Xavier e a incrível adesão ao espiritismo no Brasil
Vivi Fernandes de Lima
O IBGE garante: 2,3 milhões de brasileiros são espíritas. Pelo menos esse foi o número de pessoas que se declararam adeptas da doutrina no censo mais recente. A bilheteria do filme “Chico Xavier” comprova que o interesse pelo espiritismo é grande: já levou mais de 2 milhões de pessoas aos cinemas em três semanas.
Na RHBN de maio, o texto “Fenômeno eterno” apresenta alguns dos lançamentos ligados ao tema e o quanto as publicações de Allan Kardec (1804-1869) já faziam sucesso no Brasil do século XIX. Nesta breve entrevista, o historiador Artur Cesar Isaia, da Universidade Federal de Santa Catarina, fala um pouco sobre as conquistas e os percalços do espiritismo no país.
A fama de Chico Xavier começou com a publicação de seus livros?
A projeção de Chico Xavier no cenário nacional ganhou impulso com a publicação de Parnaso de além túmulo. Sem dúvida, seu aparecimento polêmico nos anos 1930 e as reedições sucessivas demonstram a importância que o médium passou a ter no cenário religioso e editorial brasileiro. Trata-se de um fenômeno não apenas nacional e que conseguiu extrapolar o movimento espírita, firmando-se como um bem simbólico aceito por diferentes segmentos sociais e denominações religiosas.
O espiritismo chegou a ser associado à doença mental. Chico Xavier foi considerado um doente mental?
Com certeza, à época em que Chico Xavier apareceu no campo editorial e religioso, boa parte da medicina psiquiátrica defendia a idéia de que os médiuns espíritas eram doentes mentais e que o espiritismo era uma "forja de loucos". Mas não havia um consenso entre os médicos quanto à modalidade desta doença. Por exemplo, discutia-se se ela era causada única e exclusivamente pelo espiritismo ou se este apenas servia de desencadeador de uma pré-disposição patológica. Estas eram apenas algumas das possíveis teses que circulavam entre o meio médico brasileiro para associar o espiritismo e, particularmente, os médiuns espíritas à doença mental. Para se ter uma idéia, podemos citar o caso de Henrique Belford Roxo, da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Na década de 1920, ele propôs uma campanha nacional para "extirpar-se" o que julgava ser as causas principais que incapacitavam física e mentalmente os brasileiros: a sífilis, o alcoolismo e o espiritismo.
O filme Chico Xavier já é um sucesso de público. No segundo semestre, será lançado o longa-metragem Nosso Lar, baseado na obra do médium. As livrarias têm diversos títulos sobre ele. O que fez de Chico Xavier uma personalidade tão carismática?
Penso que a aceitação que a figura de Chico Xavier teve e tem entre os brasileiros não está ligada apenas a seu sucesso editorial. Sem dúvida, muito antes do fenômeno Chico Xavier já havia no Brasil um caldo de cultura propício, valorizador do contato entre vivos e mortos. Diversas fontes históricas acenam para a familiaridade com os espíritos em diversas regiões do país, mesmo fora do espiritismo. Os livros tornaram-no bastante conhecido, mas não explicam totalmente o fenômeno. Este prévio "caldo de cultura" no qual se diluíam as fronteiras do visível e do invisível, da vida e da morte, sem dúvida colaborou para que Chico Xavier fosse rapidamente adotado como um bem simbólico entre os brasileiros. Alguns autores como Bernardo Lewgoy e Sandra Stoll sustentam, inclusive a extrema familiaridade da figura de Chico Xavier com valores muito próximos da santidade católica, valores que colaboraram na construção de uma biografia marcada pela renúncia aos bens materiais, pelo celibato e pela assistência social.
A Igreja Católica combatia o espiritismo no início do século XX? E hoje?
Depois do Concílio Vaticano II, a Igreja Católica modificou muito o seu discurso frente às demais religiões. O Concílio enfatizou bem mais aquilo que poderia unir os católicos aos não-católicos, empalidecendo as diferenças. Mas em relação ao espiritismo, persiste uma diferença básica em relação ao catolicismo: a idéia de reencarnação espírita, que se opõe aos chamados novíssimos ensinados pela Igreja (a morte, o juízo, o paraíso e o inferno). Outra coisa, completamente diferente, são as relações vividas. No Brasil, no âmbito dos estudos da História, da Sociologia e da Antropologia, há uma tendência muito grande de a população viver um catolicismo capaz de efetuar composições inusitadas pela teologia. O mesmo acontece com relação ao espiritismo. Pesquisa realizada pelo Datafolha em 2007 ilustra muito bem essa tendência dos brasileiros em extrapolarem as fronteiras doutrinárias de suas convicções religiosas, misturando crenças de forma livre: um número expressivo de católicos acreditava em reencarnação e, igualmente, um número expressivo de espíritas acreditavam em milagres, o que contradiz a obra de codificação espírita feita por Kardec.
Como esse tema é tratado hoje pela academia? Há muitos pesquisadores dedicados ao assunto?
Nas chamadas Ciências Humanas, hoje o tema é mais freqüente na pesquisa acadêmica que há décadas atrás. Tanto como objeto de teses e dissertações, quanto como assunto debatido em reuniões científicas. Penso que isso é um sintoma claro de uma abertura do meio acadêmico a uma realidade extremamente importante para a compreensão da tessitura sócio-cultural brasileira.
FONTE: Revista de História da Biblioteca Nacional - 27/04/2010
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